“ Francamente, minha cara, você me cansa além da conta e sem dó; quem a ouve suspirar haveria de dizer que sofre mais que as catadoras de papel sexagenárias e as velhas mendigas que recolhem pedaços de pão à porta dos cabarés.
Se ao menos seus suspiros exprimissem remorso, a honrariam um pouco; mas só traduzem a saciedade do bem-estar e a prostração do repouso. De mais a mais, você se estende a palavras inúteis: ‘Goste de mim, preciso tanto! Me console daqui, me acaricie dali!’ Está bem, vou tentar curá-la; talvez encontremos a maneira, por dois soldos, no meio de uma festa, e sem ter que ir muito longe.
(...)
Que podem significar para mim todos esses pequenos suspiros que incham seu peito perfumado, minha robusta coquete? E todas essas afetações aprendidas nos livros, e essa infatigável melancolia, feita para inspirar no espectador sentimento bem diverso da piedade? Na verdade, tenho vontade de lhe ensinar, às vezes, o que é a verdadeira desgraça.
A vê-la assim, minha bela delicada, os pés no lodo e os olhos vaporosamente voltados para o céu, como quem lhe pede um rei, penso num jovem batráquio a invocar o ideal. Se despreza a vigazinha frágil (que é o que eu sou hoje em dia, como você bem sabe), cuidado com a grua que pode trincá-la, comê-la e matá-la a seu gosto!
Por mais poeta que seja, não sou tão bobo quanto pensa e se me cansa muito com suas preciosas choradeiras, trato-a como mulher selvagem, ou a jogo pela janela como uma garrafa vazia.”
Charles Baudelaire
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* Não deixem de ler esse poema em prosa na íntegra em:
Baudelaire, Charles. O Spleen de Paris: pequenos poemas em prosa. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995. p.38