segunda-feira, 1 de junho de 2009

Nelson Rodrigues, uma mente suburbana



“Já falei da louca, filha da lavadeira. Foi a primeira mulher nua que vi na minha infância. E, ainda agora, ao bater estas notas, tenho a cena diante de mim. Eu me vejo, pequenino e cabeçudo como um anão de Velásquez. Empurro a porta e olho. O espantoso é que sinto uma relação direta e atual entre mim e o fato, como se a memória não fosse a intermediária. A demente tem a tensão e o cheiro da presença viva. Mas como ia dizendo: - no fundo, encostada à parede, está a nudez acuada”.
“Uma meia dúzia aceitou Álbum de família. A maioria gritou. Uns acharam “incesto demais”, como se pudesse haver “incesto de menos”. De mais a mais, era uma tragédia “sem linguagem nobre”. Em suma: - a quase unanimidade achou a peça de uma obsessiva, monótona obscenidade. Augusto Frederico Schmidt falou na minha “insistência na torpeza”. O dr. Alceu deu toda razão à polícia, que interditaria a peça; meu texto parecia-lhe da “pior subliteratura". Assim comecei a destruir os meus admiradores. Foi uma carnificina literária. Mas não me degradei, eis a verdade, não me degradei”.
“Desde aquela época, cada um, na vida literária, tinha que ser um engajado. Ninguém ia à rua sem a sua pose ideológica. Lembro-me de Isaac Paschoal me perguntando, depois de um discurso de Prestes: - “E você? Qual é a sua contribuição?”. Baixei a vista, rubro de vergonha. E, como ainda não contribuíra, senti-me um fracassado nato e hereditário. Daí porque não posso ver, hoje em dia, o Guimarães Rosa, sem uma sensação de deslumbramento. Durante anos, pratiquei a solidão com certo pânico e certa vergonha. E eis que vem o autor de Sagarana e ergue a sua torre de marfim, assim como um cigano põe a sua barraca. Nada existe: - só a sua obra. Estão brigando no Vietnã? Pois o nosso Rosa escreve. Há a guerra nuclear, o fim do mundo? Guimarães Rosa funda outro idioma. A torre de marfim fez dele o maior artista brasileiro do século”. (A menina sem estrela - Memórias, de Nelson Rodrigues, 1999)


Ninguem do país como ele conseguiu desnudar a sociedade, tirar suas máscaras e trazer aos olhos do mundo a vida como ela é. De uma sinceridade mórbida e agressiva, foi recebido com horror pela sociedade moralista, sem ao menos aceitar que, no fundo, ela se igualava aos personagens rodrigueanos. A sociedade, nas palavras do próprio Nelson, estava apenas "cuspindo na própria imagem".
"E, quase sempre, o homem nasce, vive e morre sem ter contemplado jamais o seu rosto verdadeiro, e sem ter jamais conhecido seu nome eterno.". (N.R.).





Entrevista com Nelson Rodrigues:



Manchete
Mas você é muito amargo.

Nelson Rodrigues
— Como?Manchete Muito amargo em face da vida.Nelson RodriguesMeu coração, meu anjo: a amargura é o elemento do artista. A amargura dá uma dimensão fantástica ao artista..


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Apesar da sua obra ser considerada pessimista, Nelson Rodrigues acreditava no amor como salvação da humanidade. Seu objetivo, ao escrever suas peças, era o de provocar uma catarse no espectador para que ele revisse seus valores e não cometesse os seus "pecados".


“A ficção para ser purificadora precisa ser atroz. O personagem é vil para que não o sejamos. Ele realiza a miséria inconfessa de todos nós”.

"É preciso ir ao fundo do ser humano. Ele tem uma face linda e outra hedionda. O ser humano só se salvará se, ao passar a mão no rosto, reconhecer a própria hediondez.".

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