terça-feira, 7 de junho de 2011

Constantes dissimulações

 MARIANNE: 
“Ontem, de repente, fiquei dominada por uma euforia quase temerária e pela primeira vez, de há um ano para cá, me senti com a antiga vontade de viver, com toda a curiosidade a respeito de que o dia a dia me poderia conduzir (…)
“Repentinamente, voltei-me e olhei para a fotografia antiga da minha classe na escola, quando eu tinha dez anos. Julguei que eu tinha encontrado algo, que há muito tempo tinha estado à minha disposição mas, mesmo assim, intangível. Com surpresa sou obrigada a constatar que eu não sei quem sou. Nem um pouco. Eu sempre fiz aquilo que as pessoas me disseram para fazer. Que me lembre, ao longo dos tempos, sempre fui obediente, conformada, o mais bem-educada possível. Pensando bem, acho que tive algumas explosões violentas de personalidade ainda quando menina. Mas recordo-me também que a mamãe punia todas essas escapadas das convenções com dureza exemplar. Toda a minha educação e a de minhas irmãs estava baseada no princípio segundo o qual devíamos ser agradáveis. Eu era bastante feia e desajeitada e era constantemente informada a respeito desse fato. Entretanto, descobri que se eu conservasse o segredo do que pensava e em contrapartida fosse ajustada e previdente, essa atitude dava resultado. A grande e verdadeira falsificação aconteceu justamente na puberdade. Todos os meus sentimentos e ações andavam à volta do erotismo. Não traí isso nem com uma palavra sequer com os meus pais, ou para qualquer outra pessoa mesmo. Depois, as mentiras, os segredos, as escapadas, aumentaram que só vendo. Meu pai queria que eu fosse jurista como ele. Dei a entender, certa vez, que acima de tudo queria ser atriz. Ou, pelo menos, queria me dedicar ao teatro de qualquer maneira. Lembro que se riram de mim. Depois, continuou tudo na mesma. Nas minhas relações com outras pessoas. Nas minhas relações com os homens. As mesmas constantes dissimulações. As mesmas angustiadas tentativas para ficar dentro da ordem. Nunca cheguei a pensar: o que é que eu quero. Mas sempre: o que é que ele quer que eu queira. Não se trata de uma espécie de desprendimento como eu acreditava antes, mas pura covardia, e, o que é pior, um completo desconhecimento de quem eu própria sou." 




(Roteiro de "Cenas de um casamento" de Ingmar Bergman)

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