domingo, 4 de abril de 2010

Henry Miller

Mais do que marginal, ele se diz Inumano.

" Outrora eu pensava que ser humano era o mais alto objetivo que um homem podia ter, mas vejo agora que isso se destinava a destruir-me. Hoje sinto orgulho em dizer que sou inumano, que não pertenço a homens e governos, que nada tenho a ver com crenças e princípios. Nada tenho a ver com a maquinaria rangente da humanidade - eu pertenço à terra! Digo isto deitado em meu travesseiro e posso sentir os chifres nascendo em minhas têmporas. Posso ver ao redor de mim todos aqueles meus malucos antepassados dançando em roda da cama, consolando-me, estimulando-me, vergastando-me com suas línguas de serpente, arreganhando os dentes e olhando-me de soslaio com seus crânios esquivos. Sou inumano! Digo isso com um riso louco e alucinado, e continuarei a dizê-lo ainda que chovam crocodilos. (...) Todo esse vômito de bêbedo, não pedido, não desejado, continuará a fluir interminavelmente através das mentes daqueles que virão no inesgotável vaso que contém a história da raça. Lado a lado com a espécie humana corre outra raça de seres, os inumanos, a raça de artistas que, incitados por desconhecidos impulsos, tomam a massa sem vida de humanidade e, pela febre e pelo fermento com que a impregnam, transformam a massa úmida em pão, e o pão em vinho, e o vinho em canção. (...) Um homem que pertence a essa raça precisa ficar em pé no lugar alto, com palavras desconexas na boca, e arrancar as próprias entranhas. É certo e justo, porque ele precisa! E tudo quanto fique aquém desse aterrorizador espetáculo, tudo quanto seja menos sobressaltante, menos terrificante, menos louco, menos delirante, menos contagiante, não é arte. O resto é falsificação. O resto é humano. O resto pertence à vida e à ausência de vida. "

In: MILLER, Henry. Trópico de Câncer. Rio de Janeiro: O Globo; São Paulo: Folha de S. Paulo, 2003. p. 230-231.

2 comentários:

  1. um dos meus trechos preferidos dele, quando ele se diz inumano. nas Cartas a Anais Nin ele diz muito isso também, é outro livro muito bom.

    abraço.

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