sábado, 12 de março de 2011

A solidão é absoluta



JOHAN: 
Não há muito tempo eu morava aqui em casa. Nessa altura, tudo o que nos rodeava era decisivamente importante. Nós éramos obrigados a ritualizar a segurança.

MARIANNE:
Não entendo o que você quer dizer.

JOHAN: 
Toda a segurança estava ligada àquilo que existia fora de nós mesmos. Os nossos pertences, a nossa casa de campo, o apartamento, os amigos, os rendimentos, a comida, os feriados, nossos pais.

MARIANNE: 
Por que razão nós deixamos de mostrar carinho um para o outro, Johan? Por que razão é que nós quase não nos beijávamos? E nos acariciávamos um ao outro somente quando fazíamos amor? Por que razão é que nós não brincávamos um pouco com as crianças?

JOHAN: 
Você quer saber em que consiste minha segurança? Vou lhe contar. Eu penso assim: a solidão é absoluta. É uma ilusão uma pessoa convencer-se de outra coisa. (…) Não acredite nunca que você poderá quebrar a solidão. Ela é absoluta. Você poderá fazer poesia sobre a coexistência em vários planos, mas ainda assim será apenas poesia sobre religião, política, amor, arte, e assim por diante. A solidão é total da mesma maneira. A ratoeira está na possibilidade de ela poder ser alguma vez denominada por uma miragem de coexistência. Esteja consciente de que é uma ilusão. Assim, você não ficará decepcionada depois, quando tudo voltar ao seu normal. Uma pessoa tem de viver pelo instinto da solidão absoluta. Nessa altura, a pessoa deixa de lamentar-se, deixa de afligir-se. É aí que a pessoa, de fato, passa a sentir-se bastante segura e aprende a aceitar a falta de sentido da vida com uma certa satisfação. (…)

MARIANNE:
Eu desejaria estar tão certa como você.

JOHAN: 
Palavras, palavras, só palavras. A gente usa as palavras para esconjurar o grande vazio. Aliás, é estranho. Você já pensou como o vazio faz mal? 


(Roteiro de "Cenas de um casamento" de Ingmar Bergman)

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